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Estratégias Dietéticas na Esclerose Múltipla

Brunno Falcão

5 min

7 de abr. de 2023

Nas últimas décadas, houve um aumento na incidência de esclerose múltipla (EM), que pode ser atribuído à mudança dos hábitos alimentares da sociedade, que passou de uma abordagem baseada em alimentos integrais para uma dieta com alto teor de gordura, alto teor de sal, baixa fibra alimentar e alimentos processados, conhecida como “dieta ocidental”. Acredita-se que fatores ambientais, como a dieta, possam contribuir para o desenvolvimento da esclerose múltipla, devido às alterações na microbiota intestinal, ao vazamento da barreira intestinal e à inflamação subsequente que pode levar a uma neuroinflamação exacerbada. A esclerose múltipla é uma doença que afeta o sistema nervoso central e é caracterizada por inflamação e degeneração das células nervosas. É considerada uma doença autoimune, na qual o sistema imunológico do corpo ataca erroneamente as células saudáveis do próprio organismo. Na fase inicial da doença, os linfócitos T e B entram no tecido do sistema nervoso central, causando lesões inflamatórias e desmielinizantes, principalmente na substância branca, mas também na substância cinzenta. Conforme a doença progride, a desmielinização é agravada pela ativação dos macrófagos e das células microgliais residentes do sistema nervoso central. Destaca-se que os sintomas da EM são altamente variáveis e podem incluir distúrbios visuais, fraqueza muscular e fadiga, que podem evoluir para paralisia. Table of Contents Toggle Disbiose Intestinal e Esclerose Múltipla Fatores Dietéticos na Esclerose Múltipla  Intervenções Dietéticas para Esclerose Múltipla  Prática Clínica Referências Bibliográficas Disbiose Intestinal e Esclerose Múltipla O estudo das comunidades microbianas intestinais e suas interações é uma tarefa desafiadora, devido à limitação técnica de que a maioria dos táxons não pode ser cultivada em laboratório. Portanto, é necessário o uso de modelos experimentais in vivo e estudos de coleta de amostras baseados em identificação genética para investigar essas comunidades microbianas intestinais. Com isso, a encefalomielite autoimune experimental (EAE) é um modelo animal comumente utilizado para estudar a esclerose múltipla.  Posto isso, destaca-se que os micróbios intestinais são parceiros microbianos que evoluíram em estreita interação com o hospedeiro e outros micro-organismos comensais. A fisiologia e o metabolismo dos micróbios intestinais são afetados por vários fatores, como as mudanças ambientais geradas pela genética, sistema imunológico e fisiologia do hospedeiro, como temperatura, pH, oxigênio e outros fatores, bem como por moduladores externos, como dieta e drogas. Diante disso, dados da literatura mostram que a interferência de fatores dietéticos nesse complexo sistema pode causar alterações e disbiose intestinal, resultando em inflamação e potencialmente em doenças. Assim, fatores dietéticos podem desencadear disbiose, desencadeando respostas pró-inflamatórias no intestino, o que pode levar a doenças ou agravar condições existentes. Com isso, existem evidências clínicas que sugerem a presença de disbiose intestinal em pacientes com EM, uma vez que há alterações significativas na composição do microbioma fecal de pacientes com EM quando comparados a indivíduos saudáveis. Além de que, os experimentos de EAE forneceram evidências de que há uma relação entre o microbioma intestinal e a desmielinização inflamatória do SNC. Fatores Dietéticos na Esclerose Múltipla  Como comentado anteriormente a EAE é um modelo animal comumente utilizado para estudar a esclerose múltipla. Assim, vários estudos presentes na literatura associam os fatores dietéticos como reguladores para a doença experimental no modelo EAE e sua relevância potencial para a  esclerose múltipla. Fibras e Metabólitos Derivados A suplementação da dieta com fibras é uma estratégia de suplementação proposta para pacientes com EM devido à reduzida abundância de fibras na “dieta ocidental”. Evidências sugerem que a fermentação de fibras dietéticas produz ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs), os quais possuem propriedades protetoras e terapêuticas em doenças autoimunes, incluindo a EM. Os SCFAs promovem um intestino saudável e fornecem efeitos sistêmicos que podem resultar em efeitos benéficos contra a neuroinflamação, além de que estão envolvidos na preservação da integridade da barreira intestinal e da homeostase imunológica. Destaca-se que os SCFAs promovem vias anti-inflamatórias que regulam o equilíbrio entre as respostas Th17 e Treg. Ademais, as bactérias colônicas que produzem SCFAs são reduzidas em amostras fecais de indivíduos com EM em comparação com amostras de controle saudável.  Por outro lado, um estudo clínico mostrou que a ingestão de fibra não fermentável, como a celulose alimentar, pode aumentar a produção de ácidos graxos de cadeia longa e alterar a composição da microbiota intestinal, levando a efeitos benéficos na EM. Em experimentos realizados em animais, a incidência da doença EAE foi observada em 55% dos animais alimentados com uma dieta normal, enquanto que em animais alimentados com uma dieta rica em celulose, a incidência foi de apenas 23%. Um dado importante é que os sintomas neurológicos foram significativamente atrasados cerca de 1 semana no grupo de dieta rica em celulose; no entanto, não houve diferença significativa na gravidade da doença. Suplementação Vitamínica Apesar de ainda existirem contradições na literatura, alguns estudos associam a deficiência de vitamina D com a EM. Em outras palavras, alguns estudos mostram que a falta de exposição ao sol, mais comum em áreas com alta prevalência de EM, pode contribuir para a deficiência de vitamina D, tendo um papel na patogênese da doença. Com isso, pesquisas propuseram a suplementação de vitamina D para uso combinado com terapias modificadoras da doença contra a EM.  Outrossim, os metabólitos derivados da vitamina A, tais como o ácido retinoico, são conhecidos por desempenhar um papel protetor contra a EAE, regulando o equilíbrio entre as células T regulatórias (Treg) e as células Th17. Além disso, estudos que investigam os efeitos da vitamina E na EAE, descobriram que ela pode reduzir os escores clínicos da EAE, bem como promover a remielinização. Intervenções Dietéticas para Esclerose Múltipla  Dieta Mediterrânea  Acredita-se que a dieta mediterrânea possa trazer benefícios para a saúde cognitiva e ser neuroprotetora. O azeite de oliva extravirgem é um dos principais componentes da dieta mediterrânea, que é composta principalmente de frutas, vegetais, grãos integrais, frutos do mar, nozes e legumes. O azeite de oliva extravirgem é rico em gorduras monoinsaturadas e fenóis, e já foi comprovado que possui propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias. Apesar de mais evidências serem necessárias, um estudo clínico investigou os efeitos da dieta mediterrânea na composição da microbiota de pacientes com EM. Os resultados revelaram diferenças significativas na composição da microbiota de pacientes com EM em comparação com indivíduos saudáveis. Apesar desse dado positivo também foi observado um aumento da família bacteriana Enterobacteriaceae, que inclui diversos patógenos potenciais.  Dieta Isoflavona Uma dieta rica em isoflavonas é definida como uma dieta baseada em leguminosas, que incluem plantas como feijões e ervilhas. Diante disso, diferentemente dos animais, os seres humanos não possuem as enzimas necessárias para quebrar as isoflavonas, portanto, dependemos dos micróbios intestinais para sua digestão e utilização.  Dados mostram que as bactérias metabolizadoras de isoflavona estão reduzidas na EM, bem como são conhecidas por suas propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias para outras doenças. Em um estudo que investigou os efeitos de dietas com e sem isoflavonas na composição do microbioma intestinal, teve como resultado que a dieta rica em isoflavonas aumentou os micróbios metabolizadores de isoflavonas. Perfil que sugere que uma alimentação rica em isoflavonas pode apresentar efeitos benéficos no que diz respeito à proteção e ao tratamento de doenças neuro inflamatórias. Dieta Rica em Vegetais e Baixa Proteína Uma dieta rica em vegetais e pobre em proteínas demonstrou melhorar os sintomas clínicos da EM. Em um estudo que acompanhou por 12 meses pacientes com EM comparando uma dieta rica em vegetais/baixa proteína com a “dieta ocidental”, teve como resultado uma redução da gravidade da doença naqueles pacientes com dieta rica em vegetais/baixa proteína. Prática Clínica Na prática clínica fica evidente os possíveis efeitos benéficos que a estratégias dietéticas podem trazer para a EM. Apesar disso, mais estudos são necessários para comprovar os efeitos dessas estratégias em pacientes com EM, incluindo o impacto no microbioma intestinal. Referências Bibliográficas Artigo Esclerose múltipla : Hoffman K, Doyle WJ, Schumacher SM, Ochoa-Repáraz J. Gut microbiome-modulated dietary strategies in EAE and multiple sclerosis. Frontiers in Nutrition. 2023;10. doi:https://doi.org/10.3389/fnut.2023.1146748 ‌ Classifique esse post #dietaparaesclerose #esclerosemúltipla #nutricaonaesclerosemultipla